20090211

Encontros II


Família, companheiros de luta, amigos, bagunçeiros, sonhadores... alguns dos rostos que encontrei e guardei. Alguns dos rostos que descobri e me descobriram. Algumas pessoas que estão comigo, aqui.



Encontros

Descoberta, procura, encontro, surpresa, interrogação, choque, reflexão...

Assim têm sido os meus dias em Manaus. As emoções e sensações sucedem-se a um ritmo ora lento, ao sabor da brisa suave, ora alucinande, acompanhando a frenética actividade do centro da cidade.

Pro Menor Dom Bosco, um centro de acolhimento a jovens que congrega escola profissional e escola fundamental (6º a 9º ano). Jovens da periferia, que encontram ali um refúgio, um lugar onde se sentem protagonistas da sua vida. Prova disso é a quantidade de jovens que permanecem nos espaços depois de as aulas acabarem ou que por ali passam depois de já terem terminado os estudos. Religiosos e leigos empenhados acreditam que aqueles jovens têm potencial e procuram envolve-los num processo educativo integral. Música nos espaços mortos, bom dia e boa tarde com reflexao, acompanhamento próximo e personalizado são algumas das características que fazem a diferença.
Enquanto estava no Pró Menor, foi impossivel não fazer um paralelismo com as nossas escolas em Portugal. Desde o pessoal docente insatisfeito e desmotivado para ir além do essencial (ensinar matéria), alunos contrariados e sem vontade de estudar. Será que se as escolas fossem um espaço mais dinâmico, mais familiar os resultados seriam melhores? Será que se as escolas fossem efectivamente vistas como o local de formação pessoal e social, a realidade seria diferente?

Outro ponto de paragem foi a Casa Mamãe Margarida. Uma instituição com funções de abrigo, família, escola e ocupação de tempos livres. Estive lá no fim-de-semana, encontrei apenas as meninas internas (cerca de 25). Durante a semana cerca de 35o frequentam as actividades da casa. Quando cheguei, ainda cedo, uma senhora dava banho a um bébé ao sol com a ajuda de uma outra moça. Conversamos um pouco, o bébé era filho da Daiara, que tinha apenas 12 anos quando ele nasceu. O bébé era também filho do padrasto da Daiara, que a violou durante vários anos.

O meu primeiro embate com a realidade que habita aquela casa.

À conversa com a rapariga que ajudava a dar banho ao bébé, percebi que ela era monitora lá na casa e uma ex-utente. Chegou ali ainda criança, abandonada pelo pai e vitima de maus tratos pela mãe. Teve uma oportunidade e agarrou-a. Agora tem o seu espaço, é monitora durante a noite, à tarde dá aulas de teatro e à noitinha frequenta a faculdade. A ti, admiro-te!

Ao longo do dia e das conversas fui conhecendo outras histórias, com outros nomes e quase sempre com os mesmos protagonistas: violência sexual e espancamento.

As meninas, muito bonitas na maioria, denunciavam o seu passado [recente] nas cicatrizes e escoriações que contrastavam nas suas costas e rosto. E são crianças apenas.

Um dia, em frente a uma fonte daquelas que se acredita que realizam desejos, a Diana pediu uma moeda para atirar e pedir um desejo. Queria tanto aprender a ler! A Diana te 14 anos, foi violada e espancada pelos irmãos e pelo avô desde pequena. O trauma é tão profundo que ela não consegue aprender a ler. E como ela tem vontade!
Mundo injusto e desiquilibrado o nosso...

Voltei de autocarro para casa, na viagem longa e esburacada pensava em tudo o que tinha vivido naquele dia. Pensava nas meninas-mulheres que lutavam por uma vida normal. Pensava no quão feliz sou por ter nascido no seio de uma família unida, ter a oportunidade de trilhar o meu caminho e contar com amigos verdadeiros. Pensava nos abraços à saída, no carinho que recebi de quem ainda tão pouco recebeu. Pensava na quantidade de crianças e jovens em situações similares que naquele [neste] exacto momento vivem atrocidades nas suas próprias casas. Pensava na quantidade de pessoas que vivem iludidas na crença de que podem ignorar os factos fora do seu mundinho perfeito.
Mundo hipócrica e acomodado o nosso...