20090828
A vida sempre continua
20090726
Contrastes...
Num final de semana, em uma das mais populosas cidades do mundo, São Paulo, com seus arranha céus, com seus shoppings, com seus teatros e cinemas, com suas mostras de artes e poesia, com suas periferias também, é certo! Ônibus, metro, taxi percorrem as artérias da complexa cidade de betão. A temperatura é gélida, de um frio que eu já não lembrava...
Um breve parêntesis para explicar o porquê da viagem a São Paulo. Fui com dois padres da ISMA (Inspetoria Salesiana Missionária da Amazónia) a um encontro sobre voluntariado salesiano. O objetivo era estudar o novo manual de voluntariado da congregação e definir linhas de ação concretas para a promoção do voluntariado salesiano no Brasil. Foi muito interessante!
Mas voltanto aos contrastes... um final de semana na cidade grande e o final de semana seguinte numa comunidade do interior na margem do Rio Madeira. A primeira assembleia de jovens ribeirinhos. Três dias de reflexão. animação, partilha, propostas de ação... A realidade no interior é dramática... os problemas da cidade estão sendo importados para as, até então, pacatas comunidades ribeirinhas. Hoje os problemas de alcoolismo, drogas (até o crack!), prostituição, falta de projeto de vida e tantos outros assombram a vida das comunidades. Realidades gritantes... a farra dos balseiros que transportam petróleo ao longo do rio e que "compram" as meninas em troca de alguns litros de diesel... as rotas da droga, que para chegar às cidades vêm pelo interior, deixando o seu rasto...
Mas ainda há sinais de esperança! A assembleia provou isso... 102 jovens responderam ao apelo! e eles próprios propuseram mudanças... Reestruturou-se o acompanhamento juvenil nas comunidades... Iniciou-se a formação de líderes...
Outro parentesis... Bons líderes precisam-se!
E foram assim... 2 semanas, 2 realidades no mesmo país... o frio e o calor, a cama no edíficio de vários andares e a rede no barco, os jovens que vão no teatro e os jovens que querem criar grupo de teatro para perder o medo de falar, a paisagem de betão e a grande floresta amazonica... tantos contrastes... mas no final... no final os problemas repetem-se: alcoolismo, drogadição, falta de perspectivas de futuro e tantos outros... Problemas que parecem familiares de tão comuns... de tão internacionais que são... Problemas que coexistem na grande São Paulo, em Portugal, em Manicoré, no Verdum, em São Pedro do Uruá, na Barreira do Miritir, em Cachoeirinha... Problemas globalizados que exigem soluções localizadas... o grande desafio!
20090622
Imagens de um Final de Semana..
Começou na 6ª feira à noite, com o primeiro festival das pastorais. Junho é sempre um mês muito barulhento, muito agitado, repleto de festivais folclóricos. Então, se é função da Igreja oferecer alternativas de divertimento saudáveis, porque não realizar um festival folclórico com as várias pastorais?! A semente foi lançada e germinou. Sexta-feira à noite mais de 400 pessoas se reuniram para dançar quadrilha, carimbó, ciranda, comer comidas tradicionais, brincar! Tudo em ambiente saudável.
Em cima um encontro na festa com duas amigas, engraçado como eu sou a mais moreninha:D, a Amanda, que é dentista e é de Minas Gerais e só vai a casa uma vez por ano... e a Vitoria que é inglesa e está cá há mais de um ano também... É divertido, porque nós somos muito diferentes, mas como somos as três de fora e as três branquinhas tem muita gente que nos confunde!
A quadrinha da comunidade de Nossa Senhora de Guadalupe! A comunidade recém nascida! A comunidade da periferia! Os jovens da periferia mostrando que também participam em atividades culturais! Os jovens da periferia servindo de exemplo de garra aos jovens do centro!
Sábado, 6h da manhã partimos para Cachoeirinha, uma comunidade a 4 ou 8 horas de manicoré (dependendo se estamos subindo ou descendo o rio). Pastoral da Itinerancia, reunir com jovens, familias, propor linhas de ação conjunta... Para chegar lá... a rede no barco...
Chegamos a Cachoeirinha! Meninos nas suas canoas pescando nos acolhem! Nascem no rio, crescem no rio! Os rios são a alma da Amazónia! Trazem alimento, trabalho, transporte...
A melhor maneira de cativar crianças é sendo criança entre elas... neste momento de pausa entre as várias reuniões, estavamos brincado de "joga no rio"... Eu tinha acabado de ser jogada :)
6h da madrugada de domingo voltamos a subir o barranco de Manicoré, a chegar a casa...
7h30 é hora marcada de saída para o passeio dos animadores do oratório noturno, passeio de formação e desenvolvimento de espirito de grupo... o Luan estava de serviço até às 8h! Consegui mais uma hora de sono! Lá fomos nós ao encontro do grupo, até lá, a minha primeira aula de condução de moto... chegámos lá inteiros e sem caír uma vez!!!
Depois de um dia bem animado, o merecido repouso... o encontro com o Pai... missa e logo depois Festa Junina na comunidade de Guadalupe...
Fim de semana gostoso! Vamos dormir agora?
20090616
Porque a missao também tem momentos assim...
20090608
Caminhando pela Paz
Em Manicoré há mais de seis meses que se vive sob clima de tensão. Essa situação começou deste o ápice do período eleitoral (2008) com a disputa de quatro candidatos a assumirem a Prefeitura Municipal. A temperatura elevou-se quando em Janeiro do corrente o prefeito eleito foi cassado por causa da irregularidade do seu vice que, por ser ex-prefeito, tinha restrições por parte do Tribunal de Contas do Estado que o deixou numa situação de inelegibilidade.
Por decisão judicial no dia 24 de março uma liminar concedeu ao segundo colocado nas eleições 2008 o direito de assumir o comando do Município. Lamentavelmente foi um dia de violenta manifestação contrária por parte de centenas de pessoas. Sob forte aparato de segurança policial o segundo colocado nas eleições tomou posse. Enquanto dentro da Câmara Municipal o novo prefeito tomava posse, fora os dois grupos de confrontavam numa triste luta por privilégios.
Preocupado com a situação de violência, insegurança, tensão nas relações interpessoais, conflito nas comunidades etc. o pároco Pe. Antônio de Assis Ribeiro (Pe. Bira), pessoalmente e usando os meios de comunicação disponíveis na cidade (rádio, TV e internet) fez um forte apelo às lideranças da cidade e geral para uma necessária reunião para se refletir sobre a concórdia.
O encontro aconteceu no dia 21 de Abril pela parte da tarde. Surpreendentemente compareceram 56 líderes representantes de várias categorias: de partidos políticos, comunidades, movimentos, pastorais, igrejas, instituições, associações, grupos, escolas, polícia, conselhos, imprensa etc.
Após colocar às claras, com sinceridade, cautela e muita firmeza o objetivo da reunião - que era aquele de despertar nos presentes o interesse pela Paz e Harmonia Social - o padre Bira afirmou: “É urgente promovermos JUNTOS a busca da harmonia social... É urgente promovermos JUNTOS a Cidadania racional estimulando a passagem do apego ao "MEU" para a consciência da defesa do “NOSSO BEM COMUM”... É urgente promovermos JUNTOS a conscientização da extrema necessidade da hierarquia de valores... É urgente promovermos JUNTOS um espaço para o exercício do Direito à Liberdade de "ir e vir" sem medo...”. Os participantes concordaram com o rumo apontado pelo líder religioso, apesar das tentativas de desvios do grande tema.
Nessa reunião foi formada uma comissão multi-partidária e inter-eclesial para organizar a promoção de uma Caminhada pela Paz para o dia 05 de maio com os seguintes objetivos:
- Promover um dinâmico momento de reflexão e conscientização sobre a necessidade de PAZ;
- Estimular o compromisso para com o “desarmamento” tomando uma atitude racional, rica de bom senso que gera tranquilidade;
- Incentivar a população à busca da comunhão e reflexão sobre a importância do compromisso de uns para com os outros, independente de sua opção política.
O evento aconteceu conforme a programação: centenas de pessoas de todas as idades e condição social, ideologia política e confissão religiosa se reuniram na praça da Bandeira, em frente a Prefeitura, às 17:00 horas e iniciaram cantando e refletindo, repetindo refrões e palavras, empunhando frases e faixas numa animada caminhada pela Paz. Ao longo do percurso foram realizadas três paradas e em cada uma delas foi feita uma reflexão conduzida pelos líderes religiosos (de várias confissões) da cidade.
Aconteceu em Manicoré, porque alguém se inquietou e teve a coragem de iniciar a luta pelo bem comum. Aconteceu em Manicoré porque alguém não se acomodou mais, porque alguém se cansou de ouvir lamentos em sussurro. É exemplo de gigante de uma pequena cidade perdida no interior da Amazónia para todos os que, no chamado “Primeiro Mundo” se queixam em silêncio mas não avançam na busca por uma solução comum. É um exemplo para as lideranças políticas, religiosas e sociais que responderam ao apelo. É um exemplo para os líderes religiosos que saem da segurança das suas igrejas e se envolvem nas causas do povo, seguindo o exemplo do próprio Jesus Cristo. É um exemplo para os cidadãos que, embora antes paralizados pelo medo, confiaram e se juntaram ao movimento pelo seu bem comum.
Aconteceu em Manicoré...
20090606
De viagem por... Uruapiara
A paróquia de Auxiliadora encontra-se na margem do Madeira , bem próximo da entrada do lago Uruapiara. A população de Auxiliadora (aprox. 2000 pessoas) e das comunidades circundantes vêem sua fé alimentada através da presença de duas Irmãs Missionárias, Ir. Gema e Ir. Claudete, que se encontram na região por meio de um projeto de vivência missionária intercongregacional da CRB. Existe, então, um plano de cooperação entre as paróquias de N.S. das Dores e Auxiliadora, sobretudo para a presença do sacerdote em momentos chave da comunidade.
Os festejos em honra de N.S. Auxiliadora constituiram a motivação para uma visita do Pe. Antônio de Assis Ribeiro (Pe. Bira) à região entre os dias 21 e 26 de Maio. A presença foi marcada, sobretudo, pelas Celebrações Eucarísticas, Celebrações de Batismo, bem como pelo simples estar entre o povo, disponível para conversar, para ouvir, propor...
A chegada a Auxiliadora foi uma agradável surpresa: encontra-se mais organizada, mais limpa, mais cuidada. Mesmo a nível da educação se vêem progressos, já estando disponível o ensino médio regular (até há pouco tempo, tinha apenas o ensino médio modular). A população atribui as transformações aos novos líderes políticos.
Também os jovens se fazem mais presentes na Igreja. A comunidade conta agora com um grupo de 30 jovens organizados, são o grupo JUAX. Existe ainda bem consolidado um grupo de aproximadamente 15 coroinhas. O seu envolvimento nos festejos foi visível: animação da liturgia, encenação teatral sobre a vida de Maria de Nazaré, venda de cartelas de Bingo, entre outros.
Os festejos, reforçados pela presença das comunidades vizinhas, foram apenas prejudicados pelas fortes chuvas que impediram mesmo a saída da procissão.
A visita do sacerdote foi ainda potenciada pela visita à comunidade de Floresta. O objetivo era a celebração de quatro matrimónios e sete batizados. A visita a esta comunidade foi mais uma agradável surpresa. A população, composta por cerca de 30 famílias, contraria o tradicional modo de ser e estar do amazónida, em especial do povo ribeirinho. Uma comunidade animada, efusiva, participativa, dinâmica e surpreendentemente jovem. Os jovens, bem organizados, estão na coordenação da liturgia, da catequese e mesmo da comunidade: a líder da comunidade tem 20 anos! Sem dúvida, um exemplo a reter para as demais comunidades. Floresta, a três horas de Auxiliadora, na margem do rio Ipichuna, uma comunidade com ensino apenas até 4ª série. Uma comunidade que é diferente. Uma comunidade de verdadeiros líderes. Uma comunidade que desafia as outras a seguirem o seu dinamismo de vida social e cristã. Infelizmente esta é a exceção, infelizmente são demais as comunidades envelhecidas e enfraquecidas. Mas esta também é a esperança, a prova de que pode ser diferente.
Os desafios no interior multiplicam-se, bons líderes precisam-se!
Sónia PinhoArtigo publicado em www.isma.org.br
Um dia de Chuva
Há muito tempo que não escrevo.... falta de tempo, internet que não colabora ou mesmo... preguiça... tenho que confessar... a vontade de partilha é tanta que em muitas situações que vivo, em muitos lugares que estou... vou imaginando as pessoas que gostaria que estivem ali, vivendo aquele momento comigo... porque não é justo que só eu os viva... os bons, porque mais pessoas os merecem viver... os maus, porque mais pessoas merecem aprender. Então vão passando pela minha mente as pessoas, conforme os momentos... logo penso: quando chegar a casa vou escrever sobre isto... mas depois... demora ainda umas horas a chegar a casa... quando chego a casa logo o dilema: dormir ou escrever... já sobram poucas horas para dormir... ou... ainda poderia preparar aquele ou o outro trabalho para amanha... então, acabo a maioria das vezes por esquecer o blog... e rezar para que o meu desejo de que estivessem presentes naqueles momentos tenha passado para vocês, por meio de alguma magia especial.
Mas hoje... hoje os planos eram mais que muitos. O dia estava CHEIO!!! Mas... está chovendo há umas cinco horas sem parar... os planos foram “por água abaixo”, literalmente... ah! E como quando chove, a internet não funciona, vou escrevendo offline, sem caír na tentação de falar com alguém que esteja on neste momento...
Isto de os meus planos para esta manha (espero que não os do resto do dia) terem sido gorados pela chuva leva-me a uma reflexão sobre a dependência do clima aqui na Amazónia. O tempo tem dois estados: chuva forte ou sol forte. Então tudo fica dependente... Quando chove muito, as roças e plantações ficam alagadas, muitas vezes destruindo culturas inteiras e, consequentemente, o meio de sobrevivência de famílias inteiras. Quando chove ,não dá para saír para pescar, o que em muitas comunidades significa a ausência de proteínas para aquele dia. Quando chove, a produção de tijolos atrasa vários dias (os tijolos sao produzidos de forma artesanal, dependendo do sol para secarem antes de irem para o forno). Quando chove, as escolas não funcionam, porque os alunos ficaram “ilhados” em seus bairros, ou porque vêm do interior e os barcos não os transportam com chuva. Quando chove, as pessoas não vêm para a missa. Quando chove...
É urgente que se perceba a necessidade de criar mecanismos que atenuem a dependência do clima... As pessoas vivem ao sabor das chuvas... Mas aos poucos vão-se mudando mentalidades... aos poucos... à velocidade da natureza...
E os planos para esta manhã...
Com os interiores ao abandono pelo poder municipal, as cidades vão crescendo... As pessoas migram para as cidades em busca de uma vida melhor, que muitas vezes não encontram. Migram sem qualquer planeamento, migram simplesmente... assim se formam as áreas de ocupação. Um terreno abandonado, um líder arrojado, uma possibilidade.
Aqui em Manicoré as mais recentes áreas de ocupação são o bairro Andarai e a comunidade Presidente Lula. No primeiro, começaram os trabalhos da igreja católica há cerca de oito meses. É agora comunidade de N.ª Sr.ª de Guadalupe, tem igreja, os jovens estão-se aproximando. Tem momentos de lazer saudável para crianças, adolescentes e jovens. Tem momentos de oração. Muito caminho há ainda para percorrer, é certo, mas o salto dado por aquela comunidade foi de gigante. E o mais bonito foi que foi fruto da solidariedade das restantes comunidades.
Agora surge um novo desafio na comunidade “Presidente Lula”, onde algumas dezenas de famílias vivem em situações dramáticas: idosos abandonados, adultos sem trabalho, crianças sem escola que crescem sem qualquer referencial de vida digna... Algumas pessoas meteram o pé na lama e perceberam que era urgente dar uma resposta aquela situação. O desafio foi lançado e mais uma onda de solidariedade se iniciou... Hoje teríamos vários motirões (trabalho conjunto) lá, para limpar um terreno que se destina a construção da igreja e espaços adjacentes e para fazer cadastramento das famílias para articular as respostas a dar à comunidade. Mas choveu... para lá tudo está alagado. É impossível desenvolver algum trabalho hoje... é frustrante... mas...que fazer!
Estamos ainda no início, acredito que no processo de formação desta nova comunidade muitas “chuvas” virão ainda... Mas muito “sol” também! Tenho a certeza!
20090306
No aconchego da Amazonia II
Primeiro dia de viagem, a bordo do "Cidade de Manicoré". Qual criança pequena, olho deslumbrada para o colorido das redes que balançam suaves nos dois convés, ouço os ruídos ecoados por algumas centenas de pessoas e várias toneladas de mercadoria com as quais partilharei os próximos dias. Subo rapidamente á àrea superior a "área de lazer" e fico ali, só contemplando o presente magnífico que a natureza me oferece naquele momento. O "encontro das águas": Rio Solimões (Amazonas) e Rio Negro encontram-se e seguem lado a lado, sem se misturarem. Aos poucos a água negra entra na água barrenta, aos poucos uma recua, a outra avança. Aos poucos cria-se a dança das águas que convivem sem perder a sua essência...
A minha mente vagueia por um milhão de analogias possíveis nas relações humanas... . Como seria bom, se como reflexo das águas, cada pessoa ou mesmo cada nação respeitasse a outra na sua unicidade e permanecessem lado a lado, num constante jogo de receber-oferecer. Utopia?
De volta ao convés, rapidamente surgem as conversas, um olá aqui, um sorriso ali, e assim, naturalmente começo a conhecer as histórias de vida que viajam comigo. Uma verdadeira amostra do povo manicoreense. Ali viaja a mãe adolescente com a filha e a avó-mãe, mas também noutra família, o pai adolescente. Viaja o jovem e o menos jovem que foram para a cidade grande na busca de um emprego melhor, na senda de uma vida mais digna, e que voltam três meses de miséria depois. Não encontraram trabalho nem vida mais digna. Viaja o cidadão consciente e activo que sofre com as injustiças políticas na sua cidade, mas também o cidadão "classe alta" que encontrou uma forma de subir na vida em troca de "pequenos favores políticos". As histórias sucedem-se... e eu... eu procuro ouvir apenas...
Durante a noite, o romantismo imaginado de dormir na rede pendurada no convés de um barco foi rapidamente desmistificado, para logo ganhar novo significado. No convés, sobrelotado, as redes sobrepõe-se, cruzam-se num equilíbrio ténue. O espaço entre elas é apenas o suficiente para não se encostarem. A sensação de aperto, de falta de espaço. Mas a rede embala, protege... e chega a sensaçao de aconchego. O aconchego de uma rede pendurada no convés de um barco que navega no rio Amazonas. Não havendo palavras para descrever a sensação, chamo-lhe apenas paz... paz interior...
A viagem continua, mais um dia, mais uma noite e um novo dia. A cada paragem uma nova movimentação: pessoas que entram, pessoas que saem, mercadorias que entram, mercadorias que saem. Na verdade, a chegada do barco representa para muitos a oportunidade de ganhar o dinheiro para o arroz e feijao do dia. Enquanto ancora na margem, logo os pequenos vendedores de tapioquinhas e bombons de cupuaçu saltam para o barco, os carregadores corpulentos logo começam a descarregar as mercadorias, os moto-taxis aguardam na esperança de mais um transporte. Entre as mercadorias encontra-se quase tudo, móveis novos e usados, electrodomésticos novos e usados, batatas fritas, refrigerantes, águas, motos e tantas outras coisas. É assustadora a dependência que as cidades do interior ainda vivem face à capital...
Alguém perto de mim comenta: estamos a chegar! Fecho momentaneamente os olhos e rezo uma pequena oração pedindo a Deus a força, a abertura de espírito, a inteligência, a doação necessárias para mais este recomeço...
Já se avista Manicoré.
Chegamos.
20090222
20090211
Encontros
Assim têm sido os meus dias em Manaus. As emoções e sensações sucedem-se a um ritmo ora lento, ao sabor da brisa suave, ora alucinande, acompanhando a frenética actividade do centro da cidade.
Pro Menor Dom Bosco, um centro de acolhimento a jovens que congrega escola profissional e escola fundamental (6º a 9º ano). Jovens da periferia, que encontram ali um refúgio, um lugar onde se sentem protagonistas da sua vida. Prova disso é a quantidade de jovens que permanecem nos espaços depois de as aulas acabarem ou que por ali passam depois de já terem terminado os estudos. Religiosos e leigos empenhados acreditam que aqueles jovens têm potencial e procuram envolve-los num processo educativo integral. Música nos espaços mortos, bom dia e boa tarde com reflexao, acompanhamento próximo e personalizado são algumas das características que fazem a diferença.
Enquanto estava no Pró Menor, foi impossivel não fazer um paralelismo com as nossas escolas em Portugal. Desde o pessoal docente insatisfeito e desmotivado para ir além do essencial (ensinar matéria), alunos contrariados e sem vontade de estudar. Será que se as escolas fossem um espaço mais dinâmico, mais familiar os resultados seriam melhores? Será que se as escolas fossem efectivamente vistas como o local de formação pessoal e social, a realidade seria diferente?
Outro ponto de paragem foi a Casa Mamãe Margarida. Uma instituição com funções de abrigo, família, escola e ocupação de tempos livres. Estive lá no fim-de-semana, encontrei apenas as meninas internas (cerca de 25). Durante a semana cerca de 35o frequentam as actividades da casa. Quando cheguei, ainda cedo, uma senhora dava banho a um bébé ao sol com a ajuda de uma outra moça. Conversamos um pouco, o bébé era filho da Daiara, que tinha apenas 12 anos quando ele nasceu. O bébé era também filho do padrasto da Daiara, que a violou durante vários anos.
O meu primeiro embate com a realidade que habita aquela casa.
À conversa com a rapariga que ajudava a dar banho ao bébé, percebi que ela era monitora lá na casa e uma ex-utente. Chegou ali ainda criança, abandonada pelo pai e vitima de maus tratos pela mãe. Teve uma oportunidade e agarrou-a. Agora tem o seu espaço, é monitora durante a noite, à tarde dá aulas de teatro e à noitinha frequenta a faculdade. A ti, admiro-te!
Ao longo do dia e das conversas fui conhecendo outras histórias, com outros nomes e quase sempre com os mesmos protagonistas: violência sexual e espancamento.
As meninas, muito bonitas na maioria, denunciavam o seu passado [recente] nas cicatrizes e escoriações que contrastavam nas suas costas e rosto. E são crianças apenas.
Um dia, em frente a uma fonte daquelas que se acredita que realizam desejos, a Diana pediu uma moeda para atirar e pedir um desejo. Queria tanto aprender a ler! A Diana te 14 anos, foi violada e espancada pelos irmãos e pelo avô desde pequena. O trauma é tão profundo que ela não consegue aprender a ler. E como ela tem vontade!
Mundo injusto e desiquilibrado o nosso...
Voltei de autocarro para casa, na viagem longa e esburacada pensava em tudo o que tinha vivido naquele dia. Pensava nas meninas-mulheres que lutavam por uma vida normal. Pensava no quão feliz sou por ter nascido no seio de uma família unida, ter a oportunidade de trilhar o meu caminho e contar com amigos verdadeiros. Pensava nos abraços à saída, no carinho que recebi de quem ainda tão pouco recebeu. Pensava na quantidade de crianças e jovens em situações similares que naquele [neste] exacto momento vivem atrocidades nas suas próprias casas. Pensava na quantidade de pessoas que vivem iludidas na crença de que podem ignorar os factos fora do seu mundinho perfeito.
Mundo hipócrica e acomodado o nosso...
20090131
New Way of Being...
cheguei... uma nova forma de estar... um novo mundo... o ter que simplesmente estar e a dificuldade de o fazer... a necessidade biológica de uma adaptação lenta e a interpelação lógica(?) de partir para a acção...
Aprendo a estar... pois só esse poderá sempre ser o ponto de partida... E neste estar tenho vindo a descobrir as pessoas... Há quanto tempo não o fazia... assim...
Um amigo perguntava-me: "então e já fizeste alguma coisa de especial?". Eu respondi-lhe só: " se achares que abraçar com toda a sinceridade uma pessoa que acabaste de conhecer ou falar/rir/chorar durante horas sobre os teus medos/sonhos/ser mais intimos com alguem que acabaste de conhecer é especial, então, sim, fiz algumas coisas especiais:)"
A missão tem destas coisas, mesmo quando ainda estamos meio dormentes... ficamos com os sentidos mais alerta... com o coração mais disponível...
20090127
Nao vou parar de Te olhar... e àqueles onde estás...
É isso aí
Como a gente achou que ia ser
A vida tão simples é boa
Quase sempre
É isso aí
Os passos vão pelas ruas
Ninguém reparou na lua
A vida sempre continua
Eu não sei parar de te olhar
Eu não sei parar de te olhar
Não vou parar de te olhar
Eu não me canso de olhar
Não sei parar
De te olhar
É isso aí
Há quem acredite em milagres
Há quem cometa maldades
Há quem não saiba dizer a verdade
É isso aí
Um vendedor de flores
Ensinar seus filhos a escolher seus amores
Eu não sei parar de te olhar
Eu não sei parar de te olhar
Não vou parar de te olhar
Eu não me canso de olhar
Não vou parar de te olhar
20090124
20090121
[Parentesis Recto]
Hoje transcrevo a entrevista ao Alex, um rapaz de 19 anos que, confesso, surpreendeu-me. Pela Positiva. Além de escrever bem (e não só em português!), assume para si uma responsabilidade política activa! A responsabilidade que deveria ser assumida por todos os cidadãos (geralmente demasiado passivos). Os seus textos estão disponíveis em asinceridadeintelectual.blogspot.com.
[Embora ainda te debatas com os dilemas próprios da idade, acredita em ti;) Podes fazer a diferença!]
Esta primeira entrevista é, propositadamente, muito generalista. Mais pormenores poderão ser discutidos directamente com o Alex ou num próximo post.
YL: Alex, fala-me de ti! 2 frases, ok?
AF: 2 frases? Sou o Alexandre, aqui tratam me por Fonseca. Sou um miúdo confuso e confundido, mas em nada interessante ou especial, porque acredito que tenho dúvidas e ânsias típicas de qualquer pessoa da minha idade.
YL: Define voar?
AF: Definir voar sem recorrer a um estereótipo como voar é ser livre é dificil, mas seria algo como isso.
YL: Escrever: arte ou ciência?
AF: Eu aprendi com o que li de muitos escritores, a não acreditar na inspiração e sim no trabalho. Mas, ao mesmo tempo, se não surgir por necessidade ou por paixão, não te deve agradar a ti, nem aos outros.
YL: E o teu maior sonho é? (Ser feliz, não vale)
AF: Nunca diria ser feliz, porque para mim isso é o mesmo que não dizer nada. Para mim, ser feliz não tem significado, ou melhor, não quer dizer realmente nada, em perguntas como esta. Acho que o meu maior sonho é ser útil ( o que quer que isso signifique).
YL: Maior loucura?
AF: Maior loucura que já fiz? Não sou muito dado a isso ;)
YL: Acreditas na Humanidade?
AF: Sim, acredito. Há pessoas que me fazem acreditar ( poucas), mas fico triste quando vejo algumas coisas. Sem falar de Darfur, a faixa de Gaza, e por aí em diante. Há algo com que tento lutar muito ( apesar de ser fraco para tão díficil luta) que é a descrença que noto em tanta gente, no nosso País.YL: Viagem da tua vida?AF: Não sei, mas acho que terá de será sozinho.
YL: Qual a 1ª coisa que fazes de manhã?
AF: Normalmente é beber água ou ligar o computador.
YL: Consideras-te um cidadão europeu? E global?
AF: Sim, apesar de me sentir afastado do Mundo, neste cantinho pequeno. Mas somos mundo à mesma.
YL: Quais os maiores desafios nos próximos 7,5 anos?
AF: Acabar o curso, arranjar emprego e uma vida! (lol)
YL: Filósofo da tua vida?
AF: Posso dizer Fernando Pessoa?
YL: Escrever. Quando, como, porquê?
AF: Normalmente quando não tenho nada que fazer ou tenho demasiadas coisas que fazer, porque são situações que me enervam, ora porque estou sozinho, ora porque me fazem ter receio ou sentir incapaz. Escrevo, maior parte das vezes directo no computador, sentado, muito torto e com uma letra muito violenta.
YL: Darias a tua vida por....?
AF: Neste momento por nada. Estou a gostar demasiado dela.
YL: Purpose of life?
AF: O mesmo de cima. Ser útil, fazer algo grandioso, e acreditar ( em mim, principalmente). Por o meu País a funcionar e vê-lo a ter sucesso em todos os campos (porque já chega de frustrações).
Obrigada Alex! Espero que consigas inspirar alguém que passe por aqui. Já agora, podes definir o que é fazer política?
Até à próxima entrevista!;)
20090119
...
olhos brilhantes... abraços fortes... palavras bonitas... palavras não ditas...
começam as despedidas. as despedidas que não quero nem percebo. as despedidas que não entendem. as despedidas de quem parte comigo. despedida... será que é o que fica por pedir (des + pedida)? Talvez não... mas a verdade é que uma despedida implica sempre uma ausência de pedidos, de dádivas, de partilhas...
Estou serena. As pessoas estranham. Estou confiante. As pessoas apoiam. Estou decidida. As pessoas desistem.
O grande ponto de viragem já aconteceu há alguns dias... agora é encará-lo e viver a missão. A que escolhi. A que me escolheu.